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Armazenamento de energia entra no centro da pauta: setor cobra regulação urgente para evitar desperdício de geração limpa

Crescem os cortes de eólicas e solares no Brasil, e o mercado pressiona governo e ANEEL por regulação imediata de sistemas de armazenamento.

O avanço das fontes renováveis no Brasil começa a esbarrar em um paradoxo. O país tem sobra de energia limpa em algumas regiões e, ao mesmo tempo, enfrenta gargalos para transmiti-la. O resultado é o aumento do chamado curtailment, o corte forçado de geração eólica e solar por falta de capacidade de escoamento. Nos bastidores do setor, a solução tem nome e urgência: armazenamento.

Em 2025, o tema ganhou caráter emergencial. Relatórios técnicos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram crescimento expressivo das restrições de despacho, especialmente no Nordeste, onde a expansão de eólicas e solares avança em ritmo superior ao das obras de transmissão. Estimativas do próprio ONS apontam perdas energéticas que já alcançam volume significativo da produção regional, gerando impacto financeiro direto nos empreendimentos e risco de desincentivo a novos investimentos.

A pressão vem de todos os lados. Entidades do setor, associações e investidores cobram do governo um marco regulatório que permita a implantação de sistemas de armazenamento em larga escala e a remuneração adequada dos serviços prestados pelas baterias. O consenso técnico é que, sem uma regulação clara e estável, o país continuará desperdiçando parte da energia limpa que produz, justamente em um momento em que o mundo inteiro busca reduzir emissões e aumentar a segurança energética.

Caminhos já abertos

O governo federal iniciou movimentos concretos para enfrentar o problema. O Ministério de Minas e Energia (MME) abriu a Consulta Pública 176 com diretrizes para a realização, em 2025, de um Leilão de Reserva de Capacidade em forma de potência. O modelo permite contratar sistemas de armazenamento conectados ao Sistema Interligado Nacional, o que inclui baterias e outras tecnologias capazes de deslocar energia de horários de sobra para períodos de pico.

Em paralelo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) publicou a análise das contribuições recebidas na Consulta Pública 39, que trata da caracterização e dos serviços que o armazenamento pode oferecer ao sistema elétrico. A agência identificou a necessidade de rever regras de tarifas de uso da rede (TUST e TUSD) para evitar dupla cobrança entre os momentos de carga e descarga das baterias. Essa definição é considerada decisiva para a viabilidade econômica dos projetos.

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) também atualizou as diretrizes de pesquisa e desenvolvimento, reconhecendo o armazenamento como vetor estratégico da transição energética. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) já integram o tema em seus planos de expansão e destacam a função das baterias na mitigação de gargalos de transmissão.

Desafios e lacunas

Apesar dos avanços, o arcabouço regulatório ainda é fragmentado. A legislação brasileira não define de forma inequívoca o papel do armazenamento no sistema: se ele deve ser considerado uma carga controlável, um gerador, um reforço de rede ou um prestador de serviços ancilares. Essa indefinição cria insegurança jurídica e afasta investidores, que dependem de contratos bancáveis para obter financiamento.

Outro ponto sensível é o modelo de remuneração. Falta padronizar critérios para o pagamento de serviços como controle de frequência, despacho para alívio de congestionamento e capacidade firme. Sem regras claras, o investidor não tem como prever receitas estáveis e o mercado permanece travado.

Especialistas também alertam para a necessidade de coordenação entre o cronograma de expansão de transmissão e a implantação de sistemas de armazenamento. As baterias podem atuar como “válvulas de escape” em regiões onde as linhas de escoamento demoram a ficar prontas, reduzindo o risco de sobrecarga e desperdício de energia renovável.

Repercussões para a indústria e manutenção

A regulação do armazenamento tem implicações diretas para a cadeia industrial e para o setor de manutenção. A introdução de sistemas de baterias em larga escala abre um novo campo de atuação para engenheiros, integradores e empresas de O&M. Há demanda crescente por expertise em controle de energia, segurança operacional, gerenciamento térmico e integração de sistemas BESS com plantas solares e eólicas.

Indústrias eletrointensivas também observam oportunidades. O armazenamento pode reduzir picos de demanda, garantir resiliência e, futuramente, gerar receita adicional por meio da oferta de serviços ancilares. A previsibilidade regulatória será o gatilho para destravar esses investimentos e para criar um mercado secundário de manutenção e retrofit de sistemas energéticos.

O que está em jogo

A ausência de uma norma definitiva para o armazenamento representa risco não apenas econômico, mas também estratégico. O Brasil já figura entre os líderes mundiais em geração renovável, mas sem uma política sólida de armazenamento, continuará sujeito a desperdícios e à volatilidade de oferta em horários críticos.

A urgência é técnica e política. A energia limpa que o país é capaz de gerar precisa de estrutura para ser utilizada de forma plena, e essa estrutura começa por uma regulação moderna, transparente e compatível com o ritmo da transição energética global. A definição desse marco será determinante para transformar o potencial renovável brasileiro em um ativo de competitividade e segurança de longo prazo.

Fonte de referência: ANEEL, ONS, MME, EPE, PPI, Reuters.

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